sábado, 4 de outubro de 2008

Vindima no Douro

O Outono chegou. É tempo das colheitas.
Começa o ciclo da colheita das uvas e do fabrico do vinho.
Vitral na Casa do Douro, na Régua, dedicado às vindimas.
“A vindima no Douro é a festa de toda uma região, a "eucaristia" de um povo que labuta um ano inteiro, de sol a sol, para ver dar-se o mistério da transformação do suor, sangue e lágrimas de homens e mulheres, em vinho fino.”
No final de Setembro, para conhecer o Douro das vindimas, parti da Montanha, onde não há vinhas nem olivais, à demanda dos vinhedos de sonho, salpicados de parras levemente amareladas e acastanhadas.
Ia a caminho da estação da Brunheda, por uma estrada serpenteada e cercada de vinhas de socalcos, experimentando sensações de nostalgia, quando, na aldeia da Sobreira, concelho de Murça, próximo da ponte sobre o rio Tua, avistei um tractor a movimentar-se no alto de uma vinha.
Pensando que ali deviam andar a vindimar, parei o carro à beira da estrada e subi pela vinha acima, até que um dos dois jovens irmãos proprietários da quinta veio ao meu encontro perguntar-me o que procurava. Feito o esclarecimento pôs-me à vontade para fotografar a vindima.
No final, sob pena de ser descortês, não pude recusar beber o copo de vinho oferecido pelo senhor do planalto mirandês. Obrigado a todos, obrigado Gorete, bonito nome que me faz recordar a ladaínha que ouvia em criança, na igreja da aldeia onde nasci.
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A viticultura é uma activadade importante no Douro. Miguel Torga, escritor de Sabrosa, na sua obra Vindima, escrita em 1945, denuncia a exploração do vindimador e descreve a tradição de vindimar: “Em Setembro os homens deixam as eiras da Terra Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do Mundo".
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Nesta quinta da Sobreda, e noutras da Região Demarcada do Douro, não há rogas - ranchos de homens, de mulheres e de crianças que outrora trabalhavam e animavam a faina das vindimas e lagaradas com seus cantares, bombos, ferrinhos, braguesas e concertinas.

O trabalho é feito por familiares, amigos, vindimadores contratados por empreiteiros agrícolas e, em quintas transformadas em empresas turísticas, por turistas em busca de um mundo telúrico, onde o homem se funde com a natureza.

Anos mais tarde, no prefácio à tradução inglesa de Vindima, Miguel Torga escreveu – “… Cingido à realidade humana do momento, romanceei um Doiro atribulado, de classes, injustiças, suor e miséria. E esse Doiro, felizmente está a mudar. Não tanto como o querem fazer acreditar certas más consciências, mas, enfim, em muitos aspectos, é sensivelmente diferente do que descrevi..."


"...Desapareceram os patrões tirânicos, as cardenhas degradantes, os salários de fome. As rogas descem da Montanha de camioneta, a alimentação melhorou, o trabalho é menos duro. Também o rio já não tem cachões, afogados em albufeiras de calmaria.” - Miguel Torga
Longe vai o tempo em que os homens, caminhando em fila indiana pelos socalcos, usavam cestos de verga para transportar as uvas para as dornas, colocadas em cima dos carros de bois.


Antes, o povo dizia que “até ao lavar dos cestos é vindima”.


E agora que os tempos são outros – as uvas são transportadas em tractores até às camionetas de carga - será vindima até ao lavar dos baldes de plástico?
A vindima, tal como diz o provérbio, é até ao lavar dos cestos, e isso inclui levá-las até aos lagares e adegas para fazer o vinho. Nas estradas da região demarcada, transformadas em artérias vitais da produção vinhateira, a correria de camionetas, saídas das diversas quintas, é incessante.

A tradição já não é o que era.
As uvas, transportadas em contentores metálicos, são despejadas em lagares mecanizados ...

... onde os bagos são esmagados, prensados e separados do engaço e da graínha.

A inovação tecnológica pôs fim às lagaradas - pisa tradicional das uvas, prática rodeada de um ambiente de festa que proporcionava a convivialidade e o reforço de laços identitários entre os participantes.
O mosto fermentado é encubado em modernas cubas cilíndricas de alumínio até ser transformado em néctar de vinho perfumado.
Pelo método tradicional, o mosto é colocado em toneis e pipas onde fica, enquanto estiver cru, até ao São Martinho, altura em que se dá a prova do vinho novo.

Fim do ciclo produtivoNo passado, o tempo das vindimas era uma época quase sagrada, pois a receita da produção, numa região de quase monocultura, era a principal fonte de rendimento para o resto do ano. Os pequenos proprietários, sempre na incerteza da colheita que iriam ter, faziam contas à vida, enquanto rendeiros e caseiros ficavam na expectativa da terça parte que lhes poderia caber.

No painel central do tríptico de vitrais da Casa do Douro, a viticultura (dezenas de milhar de produtores) e o comércio de vinho do Douro (casas exportadoras controladas por capital estrangeiro) apertam as mãos, num acordo de cavalheiros, sob o olhar da Casa do Douro, instituição de viticultores criada pelo Estado em 1932. Porém, as relações entre produção, comercialização e Estado, nem sempre pacíficas, marcam ainda hoje, para o bem e para o mal, os destinos da Região Demarcada.
Clicar AQUI para ler a interpretação de todo o vitral e ficar a conhecer a deliciosa lenda do Conde de Guillon e de Santa Marta, padroeira do Douro.
Perspectivas novas perfiladas no horizonte
A parte inferior da vinha pertencente à Região Demarcada do Douro, o olival, a estrada, a Linha do Tua e a ponte da Brunheda ficarão submersos se a planeada barragem na foz do rio Tua for construída. Quem ganha? Quem fica a perder? Que interesses estão em jogo? Que valores mais altos falarão se a barragem for construída ou se a linha do comboio permanecer em funcionamento?

Confiança
O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...
Miguel Torga

Os vitrais da Casa do Douro, obra do Pintor Lino António, terminada em 1945, homenageiam a região duriense.





3 comentários:

Anónimo disse...

very cool.

Anónimo disse...

wow, very special, i like it.

Gilmar disse...

Excelente, parabéns por nos mostrar as belezas e inquietudes do local.