domingo, 28 de dezembro de 2008

Bruma Matinal no Rio Tua

Morning Fog in Tua River



Sem nada urgente para fazer em Travancas, decidi ir ao Ferrado, no Domingo, dia 23 de Novembro. Tencionava deixar o carro na Longra, descer o Tua até à foz de Cabrões, subi-lo até ao Ferrado e regressar!

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Na véspera, fui dormir a Vilas Boas. Pela manhã, visto da varanda da dona Bina, o monte frente ao Cabeço, banhado de sol, prenunciava mais um dia de Verão de São Martinho.




Ao descer a estrada para Vilarinho das Azenhas, comecei a avistar cabeços navegando no mar de nevoeiro do vale do Tua.
 







Deslumbrado com a paisagem ...





... Paro a cada curva, para fotografar a vastidão de montes de Trás-os-Montes que vão surgindo diante de mim.

De surpresa em surpresa, detive-me, extasiado, à entrada de Vilarinho, a contemplar a vinha, coberta pela névoa.





Estava entretido a fotografar a paisagem, quando, vindos das brumas, se aproximaram de mim dois caçadores, acompanhados por quatro cães. À cintura não traziam qualquer perdiz ou coelho, como troféu de caça e sinal de boa pontaria.






A vinha, com as parras ainda presas às vides, estava submersa no nevoeiro matinal. Neste cenário de encantamento, fascinava-me a exuberância de cores, abarcando diversas tonalidades de amarelo, castanho e vermelho.

 
Finalmente, cheguei ao rio Tua! O cenário, uma ode ao Criador, de tão belo, parece um quadro surrealista, humanizado pela presença do homem.

O rio brumoso e as folhas mortas, propícios ao recolhimento, eram palco da grande azáfama de mais de uma dezena de pescadores.
 


Atravessei a ponte de Vilarinho das Azenhas, uma ponte romântica, de onde os pescadores lançavam iscos aos peixes. Envoltos na neblina, mal se lhes diistinguiam os vultos.

 
Na freguesia de Barcel, junto à margem do rio, deparei com este pequeno choupal.
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O choupo é uma árvore esguia. Despida da folhagem caduca, torna-se ainda mais esbelta.


A visão do rio, emergindo das brumas, evoca em mim, por uma desconhecida associação de ideias, a marcha nupcial da ópera de Wagner. No enrêdo, Lohengrin, o misterioso cavaleiro do Santo Graal, chega, num barco puxado por um cisne, ao julgamento da sua futura esposa, na enevoada Brabante.
 

Ao passar pelas amendoeiras, despojadas de folhas, flores e frutos, como seres arqueados, a bailar na manhã cinzenta, e ver o pombal a desaparecer na neblina, no cimo do campo semeado, senti-me criança, no umbral de um mundo encantado de gnomos, duendes e de outras forças da Natureza.
 


Em Barcel e na vizinha Longra, aldeias rodeadas de olivais, já o nevoeiro se dissipava no alto dos montes. As centenárias oliveiras trazem-me à memória uma história da avó paterna, ouvida à tia Emília. Segundo ela, a avó, uma rapariga vistosa, foi enganada, quando veio a Barcel, à apanha da azeitona ...




Em tempos, passei por Barcel, sem me aperceber da beleza paisagística e edificada da aldeia. Agora, chocou-me o desleixo a que é votado o património religioso. Que valores transmitem a capela em ruínas e o depósito de ferro-velho?
 

O mesmo desleixo se nota na capela da Longra, onde o bonito retábulo do altar barroco, provavelmente do século XVIII, tem a madeira apodrecida. Bem pode Santo António levantar as mãos ao Céu, que não há Ministério da Koltura que lhe valha tamanha incúria!
 

 
Agradou-me a parede pintada de azul, nesta casa tradicional de xisto, à entrada da Longra. Restaurada, ficaria bem bonita! Contudo, infelizmente, a recuperação de arabecos, sem apoio das câmaras municipais, sensibilizadas para a preservação do património, não está ao alcance de todas as bolsas.






Na Longra, calcei as botas velhas da tropa e desci até ao rio. Nessa altura, a bruma matinal já tinha levantado e evaporado. Ancoradas à margem, lá continuavam, poéticas, as velhas balsas.
 

Neste Éden de tranquilidade, vestido com as cores do Outono, uma sensação de bem-estar entranha-se em nós. E em comunhão com a natureza, deixamo-nos ficar, deambulando por ali .
 

 
Na outra margem, na Ribeirinha, avista-se uma azenha abandonada, marco da indústria de moagem local, vencida pela modernidade. Em Agosto, no dia 22, estive lá a fotografá-la. minutos antes de entrar no comboio que descarrilou na Brunheda.
 



 
Nesse acidente ferroviário, o quarto em ano e meio, morreu mais uma passageira. Não sofri danos físicos, mas a minha mulher ficou gravemente ferida. Continua em tratamento, sem se saber até quando. Campeia a impunidade … A revolta inicial vai cedendo ao desalento. Sinto-me morrer devagarinho ...



A Linha do Tua não reabriu e tem morte anunciada, se a barragem for construída. Vejo-a, e ao rio, cá do alto, um lugar ermo e de difícil acesso, onde, para grande espanto, fui encontrar uma piscina e uma pista de helicópteros.



Virei costas a Barcel e olhei em direcção a Cabrões. Tendo de estar em Chaves às 18h30, era escasso o tempo para ir ao Ferrado.
Decidi adiar a caminhada por Cabrões acima, trocada, na enevoada manhã de Outono, pelas fotos do vale do Tua ...
... E parti, do cu de Judas, à demanda de um caminho seguro, para Aquae Flaviae.





3 comentários:

AG disse...

Grande viagem amigo, em palavras e imagens. Está na hora de eu voltar à linha ... para a viagem de inverno.

PEREYRA disse...

Volta sim à nossa Linha do Tua, Caminheiro! Volta por todos nós, pela nossa cultura, pelo nosso comboio, pela nossa região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Vamos ficar-te muito gratos pelo que ouvires sentires e mostrares!

JORGE DELFIM disse...

Lindas imagens do rio e da linha.
já aperta as saudades de mais um passeio pela linha.



Jorge Delfim