sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Olha a Laranjinha

... que caiu, caiu.
Num regato d'água, nunca mais se viu.
Nunca mais se viu, nem se torna a ver
Cravos à janela, rosas a nascer.
In Senhora do Almortão
Tão longe de mim este  cinemascópico "Vale Abraão", de laranjais ornado!

A letra da tradicional melodia é que destoa do atual momento político-partidário nacional, em que a laranjinha viceja, a rosa morre e  cravos à janela nem vê-los. Oxalá, Insha'Allah, apareçam hoje, na Praça Tahrir, no Cairo.
أنا المصري
Ich bin ein ägyptischer   Parafraseando a célebre expressão do presidente Kennedy, dita aos berlinenses, quando caiu o Muro de Berlim, hoje também eu sou um egípcio! As revoluções, enquanto duram, são portadoras de esperança para os povos; o problema são os períodos posteriores em que, com outros atores, se "vira o disco e toca o mesmo".

Apesar da distância, sinto nostalgia de estar aqui, a desfrutar a luminosidade do vale, a grandiosidade das montanhas e o bucolismo de Foz-Tua entranhado em mim.


Hoje, queria estar  no Beira Rio, sentado junto à janela, mergulhando o olhar no volumoso caudal do Douro ...

... na sua avalassadora corrida para o mar.


Queria regalar-me com peixe do rio, pão do padeiro de São Mamede de Ribatua ...
 
 
... alcaparras, queijo terrincho, fatias de presunto fumado, acompanhados de vinho tinto do Douro, degustado em copo de cristal da Boémia.


Não peço muito à vida para ser feliz; bastam-me alguns prazeres frugais, como estar em união com o Deus dos nossos corações, estar perto da minha gente, sentir o cheiro da terra, das serras, do meu Ferrado de Cabrões...


Como há um ano, queria saciar a sede de felicidade, no sumarento  fruto deste Éden de mortais pecadores ... 


... majestosa obra prima da Natureza e do suor de homens e mulheres, forjados durante séculos, no cálvário dos socalcos.





Há um ano, vim em peregrinação, como quem entra num vale sagrado, ameaçado de destruição por forças malignas, e nele implora aos deuses,  o milagre de salvar, in extremis, a Linha de Comboio do Tua. 








Quando evoco, "longe muitas léguas", a visão dos carris, retirados da Linha do Tua, e me invade a "triste solidão", apetece-me cantar a melodiosa Asa Branca, popular canção do nordeste brasileiro.




Também eu, em tom de lamento e indignação,  quando vi, no meu rincão nordestino, a linha do comboio esventrada,  "perguntei, ai Deus do céu, porquê tamanha judiação".






Várias vezes me desloquei de comboio a Foz-Tua, onde fazia pique-niques com a tia Emília, depositária de histórias familiares que contava, quando ia visitá-la a Abreiro. Junto à estação, na Quinta da Pendurada, havia então laranjeiras, carregadas de laranjas grandes e apetitosas que saboreava com o olhar.



Vim ao Tua, com a impetuosa irmã Nete e lembro-me que no regresso, o comboio esteve algum tempo parado, porque um bloco de granito impedia a circulação na linha. Noutra ocasião, com a cumplicidade da Princesa, arranjei maneira de o Pedrinho e a prima de olhos azuis, de Carrazêda de Ansiães, se conhecerem, vindo todos - família, prima e irmãos - de comboio a Foz-Tua


 Viagem sem regresso

A última vez que viajei no comboio do Tua, foi no dia 22 de agosto de 2008, fatídica viagem em que descarrilou, provocando a morte de uma passageira e ferimentos em dezenas de outros, alguns com gravidade, como a minha esposa.


Nesta época do ano, em que já se respira o ar da primavera, vir ao Douro, em Foz-Tua - desgraçadamente, agora, só de carro -  faz-me bem à mente e ao corpo.  O espírito desassossegado, acalma por uns tempos, com a vista dos lugares que fazem parte do minha essência.
 


Agrada-me a alegria deste povo  "de dar e ficar contente", esquecido do poder central e desprezado por bafientas elites políticas locais, sempre prontas a curvar-se a interesses que não promovem o desenvolvimento regional e a quem mais manda em São Bento.

Não é cinismo propor-se a criação de um Parque Natural do  Vale do Tua, depois de se consentir que seja destruído, pela construção de uma barragem?


Este é o povo, do "Entre quem é" que Miguel Torga homenageou na sua obra.




Nesta terra abençoada, onde se ganha "o pão que o diabo amassou", não se vive apenas do ganho no vinho. São afamadas as laranjas de Ribatua.




Venda direta, sem intermediários, do produtor ao consumidor...


...junto à ponte rodoviária sobre o Rio Tua.


A airosa "aldeia feliz" de São Mamede de Ribatua,  organiza desde há quatro anos, uma Feira da Laranja que, em 2011, decorrerá entre 29 de abril e 1 de maio.

Boa oportunidade para voltar, regalando a mente e os sentidos no paradisíaco vale dourado.
Ler aqui uma sumarenta crónica sobre a "Terra da Laranja", escrita no Diário de Trás-os-Montes.


Todavia, excetuando as vendimas, é agora, durante a  época da apanha da laranja, a altura propícia para visitar Foz-Tua. E como "não há mal que sempre dure", pressinto que o regresso ao Reino Maravilhoso esteja para breve.


2 comentários:

O.Magalhães disse...

Tenho que saber se o meu amigo tem carteira profissional,porque é um bom realizador além de jornalista.


parabens

PEREYRA disse...

Por cá Lando? Que surpresa! Seja bem-vindo a Ferrado de Cabrões! Vá ao Beira Rio, vai gostar. De Vale da Sancha até lá nem é assim tão longe. Feira do Fumeiro de Vinhais, agora só em Oeiras, mas não é a mesma coisa. Daqui à Páscoa ainda há muito por onde saborear, não viessem aí as festas das amendoeiras floridas. Quem sabe se não combinamos de nos encontrarmos numa delas?