terça-feira, 18 de outubro de 2011

Mogadouro e os Gorazes

Coleta fiscal em carne marrã!


Da única vez que visitei Mogadouro, guardava da vila a vaga imagem de uma desolada torre de castelo, em ruínas.





Regressei lá no passado fim de semana, aquando da Feira dos Gorazes, disposto a ficar esclarecido da razão pela qual tem esse nome.  Sendo goraz nome de peixe porque haveria uma feira, de vila distante do mar, ter nome alusivo a um peixe?  Não fazia sentido! Pelo sim, pelo não, ia a Mogadouro disposto a desvendar o enigma do nome da feira!




Antes de ir à feira,  passei pelo castelo onde, desta vez,  o encontrei remodelado, assim como ao espaço envolvente. Nos acessos havia obras.





Nas proximidades do castelo, moradoras idosas não me souberam explicar o significado do nome da feira.



Oratório a São Sebastião edificado pelos Távoras

Mas numa pastelaria do centro da vila, um jovem, parente do proprietário, tentou elucidar-me, relacionando o nome da feira com carne marrã, nome que em Trás-os-Montes, antigamente, se dava à carne de porco. 





Antes da chegada do costume de se comer posta de vitela assada na brasa e da moda do frango assado, era tradição, nos Gorazes, comer-se entremeada de porco.



Insatisfeito com a explicação, Vítor, nome do jovem, deu-me a ler, então,  o texto de  um website onde o historiador  António Mourinho afirma que na Idade Média se usava o termo grego gorax para designar a carne marrã.  Portanto, - eureka - a chave do enigma para a origem do nome da feira está relacionada com carne de porco, ou seja, com gorax.


A carne marrã, ou gorax, era dada, por moradores e feirantes, em pagamento do imposto anual, ao senhorio de Mogdouro - Santa Casa de Misericórdia, após os Távoras terem caído em desgraça - cujos fiscais, ainda em 1768, apareciam nos dias da feira para fazer a coleta em espécie. É desse costume de cobrança do imposto em gorax - ou gorazil, "(...) huma espadoa de porco, a saber, todo o quarto dianteiro com doze costas (...)"  - que terá vindo o nome Feira dos Gorazes!


 
Se antigamente a Feira dos Gorazes era uma feira de fim de colheitas, onde os lavradores vendiam os seus produtos e compravam provisões para o inverno; se era uma feira onde se bebia um copo de vinho e comia a coiracha da marrã num naco de pão, hoje transformou-se numa feira de comércio geral, havendo um palco para espetáculos musicais e pavilhões para expositores. Embora tenha passado pelas alfaias  agrícolas e stands de comerciantes, centrei a atenção  nas barracas de artesanato e de gastronomia.




Quis pagar o meu imposto à tradição e fui ao restaurante Nossa Senhora do Caminho, o único dentro do recinto,  para provar a carne marrã, tradicional da feira. Não apreciei. Duas entremeadas, demasiado salgadas, servidas com batatas fritas, custaram sete euros. A salada de alface foi um suplemento que pedi. Também não correu bem  o negócio com a desonesta queijeira de Bruçó que, se não fosse a ameaça de chamar a guarda, ficava-me com o troco de dez euros. A Câmara de Mogadouro deveria estar atenta a estas práticas que lançam a desconfiança nos consumidores e mancham o bom nome da feira.




A conversa com o Vitor prolongou-se, enquanto ia matando a sede. Até deu para perguntar-lhe pelo Maurício, dentista brasileiro, residente em Mogadouro que ficou conhecido graças à sua participação num programa do Big Brother. O jovem é guitarrista  do agrupamento musical mogadourense Rumo Nordeste, tendo atuado na palco da feira na noite anterior.




Trindade Coelho,  sentado num pedestal, no largo em frente à pastelaria do guitarrista internauta, descontraído, parece estar a narrar um conto da sua obra  Os Meus Amores.  O  mais ilustre filho da terra  suicidou-se em Lisboa, em 1908, aos 47 anos.



Mogadouro tem, anexa ao convento de São Francisco, uma bela igreja maneirista, edificada a partir de 1620, a expensas de D. Luis Álvares, fidalgo da família dos Távoras, senhores de Mogadouro, entre o século XV e a caída da família em desgraça, em 1758, acusada pelo Marquês de Pombal de atentar contra a vida do do rei Dom José I. O convento, edificado no século XV - ou nos séculos XVI e XVII, como aparece noutros sítios? - está ocupado pela Câmara Municipal mas já serviu de quartel desde que Joaquim António de Aguiar,  um liberal jacobino, extinguiu, em 1834, as ordens religiosas e incorporou o convento dos frades franciscanos no património do Estado.


 O espaço envolvente à igreja e ao antigo convento está arborizado, relvado e decorado com paineis de ferro que contam a história da vila. O conjunto, em simbiose com  os edifícios em granito, é harmonioso.



Igreja matriz, junto ao castelo, mandada edificar pela família dos Távoras, no século XVI. A torre sineira quadrangular é um acrescento do século XVII.



Torre do Relógio, no castelo



 Igreja matriz e panorâmica da vila, vista do castelo


Bonita rotunda da nova Mogadouro. A pacata vila impressiona pela positiva o viandante!



5 comentários:

Alexandrina Areias disse...

Olá 'Euroluso',
só fui uma vez à festa dos gorazes, mas, almocei fora do recinto da feira, com amigos de Mogadouro e comemos muito bem...:) Gostei muito de ficar a saber a origem do nome dos Gorazes, pois não fazia a mínima idéia de onde vinha esse nome... Obrigado pela partilha!
Em Carrazeda de Ansiães, há uma aldeia chamada Lavandeira, onde há a tradição de se comer a marrã... Essa festa decorre nos dias 15 e 16 de Setembro e no dia 15 é tradição ir-se lá comer a marrã... mas, só no pão... e naquele dia, lá a marrã tem outro sabor...:)
Bom domingo!
Cmc's
AA

PEREYRA disse...

Olá, Alexandrina!
As festas das comunidades rurais são importantes marcos da nossa identidade transmontana! Por isso, depois da sua informação, estou desconfiado que o meu próximo encontro com a marrã será em Lavandeira!

AG disse...

Ola Euroluso

Parece que a a Feira do Gorases não correu como o esperado mas o passeio a Mogadouro foi bastante interessante.
Eu também tenho ficado insatisfeito em diversas situações, quando tento saborear algo, em eventos do género. Aliás, parece-me que essas feiras são o pior momento para saborear alguns petiscos regionais. As expectativas são altas, mas a atenção que nos é dada é pouca. As últimas vezes que fui à Lavandeira, fiquei desiludido.
Pareceu-me faltar no leque de fotografias a atuação de um grupo tradicional, Pauliteiras de Valcerto, Folclórico de Mogadouro, ou algo do género. Não havia música na feira?
Um abraço.
Aníbal

PEREYRA disse...

Deve ter havido bastante animação musical, a julgar pelo programa. Não vi as pauliteiras de Valcerto mas gostei da atuação do último grupo de música tradicional que atuou no Sábado. No entanto deve ser frustante para quem está em palco e à sua frente apenas tem meia dúzia de gatos pingados, como foi o caso.
Gostei do espaço da feira e a organização pareceu-me esmerada.
Estou por Aquae Flaviae. Reserva um fim de semana de novembro para trazeres cá à montanha a família e tirares boas fotos de Chaves no Outono.

G. Reis Torgal disse...

Curiosa esta designação da carne marrã. Vivi 4 anos no Nordeste Transmontano e nunca a ouvira, inclusivé, nos momentos em que passei e comi, mal nessa altura (hoje há - havia, ainda no fim da minha vivência transmontana - pelo menos um excelente Restaurante, A Lareira, onde se comia uma magnífica Posta, afrancesada pelo acompanhamento (Roustik)que nada tinha de transmontano. Dos gorazes ignorav o nome e a razão. Bem Haj a explicativa dissertação ilustrad e o Professor José Antunes que , com ukm email transviado me abriu a curiosidade par o nome desta feira. Gonçalo Reis Torgal