quarta-feira, 17 de abril de 2013

Trás-os-Montes na moda

Uma operação de marketing



5/3/2013
Espero que um autor revelação te revele o gosto pelo romance...
Com votos de agradável leitura, uma boa dose de ... transmontanices!
Beijos


A leitura do livro de Tiago Patrício, "Trás-os-Montes", defraudou as expectativas  criadas pelo título e pelo tom elogioso da crítica ao jovem autor, laureado em 2011 com o prémio literário "Revelação Agustina Bessa-Luis", no valor de 25.000 euros.


Transmontano dos quatro costados, esperava encontrar falares e "transmontanices" no livro premiado,  o que não aconteceu. O título apelativo tem um sabor amargo; serve  de engodo para vender um produto que tem procura mas, infelizmente, a escrita, ao arrepio das normas ortográficas,  poderá ser um óbice a que a sua leitura seja aconselhável nas escolas oficiais.


Era o único da turma  - Teodoro -  que usava óculos, o que lhe deformava o rosto e o entendimento, chamavam-lhe "Tótó", "Toutinegro" ou "Cão-d´Óculos".
 
 
O Trás-os-Montes do Tiago não prende o leitor; não aguça o prazer de ler. Li-o por obstinação, imbuído do sentido do dever. Todavia, no entendimento de quem me ofereceu o livro "A obra está bem estruturada, a prosa é escorreita..."
 
 
Teodoro olhou para ela - cruz de prata roubada pelo Edgar na sacristia -  e encontrou uma correspondência positiva na sua memória, «tem a forma da nossa aldeia». Era a cruz da crucificação, com dois braços a mais para além do principal e com a inscrição INRI ao alto e um dos braços na diagonal aonde assentavam os pés de Cristo.
 

A  personagem central não é o Reino Maravilhoso do título. Este aparece em filigrana, servindo de cenário à ação de quatro miúdos - O Teodoro, o Edgar, a Raquel e o Oscar, seu irmão gémeo.  Não haveria nomes, genuinamente transmontanos, para dar à canalhada? Na década de oitenta do século passado, graças às antenas parabólicas, até seria verosímel a rapariga chamar-se Vanessa, gémea do Marco!



 Edgar disse que era uma cruz roubada, «é uma cruz gamada, faremos uma maior esta semana para o nosso cemitério de animais». E para isso tiveram de voltar a matar.


Os quatro amigos, fechados  numa aldeia com o traçado em forma de cruz da vida, até as novas casas lhe darem a forma pentecostal, depois das aulas usam o campo, como espaço de fuga, lugar de descoberta, aventura, liberdade e tragédia.

 

Deu-lhe dois tabefes assim que ele entrou, para evitar a abertura de precedentes. Oscar ficou durante muito tempo com a marca da mão grossa  da professora no pescoço e na cara...

 
O escritor  não aborda o buylling "numa escola cheia de desequilíbrios", mas narra o episódio do Edgar a  matar passarinhos com instintos de malvadez. Será crueldade andar aos passarinhos, ou uma felicidade? Matar aves e animais, num meio agreste, é um ato cultural, de sobrevivência humana. Na matança, quem se impressiona com o cuincar do reco? Qualquer criança aprende com os adultos a depenar e a esfolar, para depois se lambuzar com a comezaina.



Eles - os pastores  - não podem ter muito dinheiro, senão gastam tudo em bebida na primeira semana e os filhos passam fome o resto do mês.

 
As personagens agem como crianças mas pensam, desajustadamente,  como adultos.   É o caso de Teodoro  que procurando chamar a atenção dos avós, lhes diz durante o jantar "Hoje descobri o sentido da vida", ou então "Já sei o que vim cá fazer, o que é que o Homem veio fazer à terra". Também a Raquel "...sabia que estaria sempre a meio, com o copo meio vazio e que teria uma vida semibreve".   Ainda a amiga de Raquel, com o sábio conselho a Teodoro, quando este não sabe como e quando poderá abraçar a amiga. "Deixa a Natureza seguir com seu curso".  Exemplos destes, excessivamente filosóficos, para o grupo etário das personagens, são variados.
 
 
 Foi interrompido pela vibração que o comboio das onze provocava  quando se aproximava do apeadeiro em frente à escola. Correu até ao outro lado para o ver chegar , negro e pesado na sua condição de transporte  em vias de extinção.

 
 
"Trás-os-Montes" está onde?  O escritor não usa o discurso direto, nem expressões e regionalismos, para dar identidade transmontana a personagens com as quais o leitor não se identifica nem por elas nutre afeição.

O espaço rural tanto pode situar-se na Cova da Beira, como na serra algarvia ou noutro lugar qualquer! Com algum esforço, poder-se-ão encontrar escassas pinceladas transmontanas  na avó que recorda o tempo da guerra e do minério; nos pastores  e no gaiteiro solitário, no "cheiro das alheiras acabadas de fazer"; nos "...dois rapazes de fora, com duas sacas de amêndoa do rebusco".  Há ainda um comboio na sua última viagem, um cemitério desativado, uma escola em vias de extinção, sinais de desertificação.
 
 
A Bisavó não sabia de onde vinha, mas dizia "antigamente o comboio levava minério para a guerra".

 
O autor, apesar de ter vivido dos nove meses aos 19 anos em Mós e Carviçais, aldeias de Torre de Moncorvo, não parece ter captado o sabor genuíno da gente aldeã e da terra transmontana! Adolfo Correia da Rocha e Aquilino Ribeiro lhe serão desconhecidos? Na sua obra não transparece que o mundo das torgas, onde passou a infância e a adolescência, lhe tenha ficado entranhado. Ou será pelo preconceito de ser catalogado como escritor regionalista?


“Durante a infância em Trás-os-Montes, eu era o único que tinha andado de avião, que tinha visto o mar e que tinha nascido fora daqueles 30 Km2 em redor da aldeia. Acho que desenvolvi uma certa obsessão pelo Funchal e pela ilha da Madeira, e, por vezes, usava isso como ponto de fuga e dizia: “Eu nem sequer sou daqui, o meu lugar é numa cidade grande no meio do mar e não aqui no meio dos montes”.


Tiago, depois da fuga ao isolamento de Carviçais, aos 20 anos,  tornou-se farmaceutico e correu mundo. Das margens do Rio Moldava escreveu "Cartas de Praga". Agora, à demanda das referências de infância e adolescência, olha para Trás-os-Montes  com olhar cosmopolita, deslumbrado por míticas forças telúricas e cósmicas, descobertas no retorno ao Reino Maravilhoso.

 
Num desses regressos, o nume invisível diz-lhe:
-Entre quem é!
-Bô! Diz Tiago.
E entra, subindo ao cume mais alto, para estar próximo da terra e do cosmos. Ritual de consagração cumprido, Tiago ficará per omnia saecula saeculorum no olimpo dos escritores transmontanos!
 
 
 Nota: As fotos foram tiradas da internet, com exceção da primeira.
 
 

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro leitor

Agradeço a leitura atenta e os vários comentários ao romance "Trás-os-Montes", mas tratando-se de um romance literário e não de um romance histórico, monografia ou sequer crónica de costumes, o estilo e a forma teriam de ter uma vida própria e não estar submetidos a uma visão estritamente regional. É um livro de exteriorização de um interior secreto, não é uma caricatura. Se reparar, não há crítica nem uma moral presente, há apenas descrições e constatações. Existe maldade e bondade, mas quis ir para além do bem e do mal.
Queria ainda falar dos nomes das 4 crianças, são mesmo nomes transmontanos, de avós, tios e vizinhos. Se voltar a ler o livro uma segunda vez poderá reparar que nada aparece ao acaso, tudo tem uma rima e um sentido oculto revelado mais adiante ou mais atrás.
Cordialmente
tiago

cartasdepraga.wordpress.com

Só mais um pormenor, o rio que passa em Praga é o Voltava e não o Moldava

PEREYRA disse...

Boa noite, Tiago!
Praga é a cidade que escolhi para passar a lua-de-mel e já lá levei os meus filhos num dia em que fiz anos de casado. Nesse dia,na igreja do Menino Jesus de Praga,a meu pedido, um padre goês celebrou missa, por intenção do meu matrimónio.
Quanto ao rio que banha Praga, Vltava, em língua checa,aconselho-o a ver na Wikipédia ou num bom atlas, como se escreve, em bom português.
A crítica severa ao seu livro partiu do logro em que o título, remetendo para uma região concreta, me induziu. Fosse outro o nome, nunca o teria pedido como prenda de aniversário. A crítica laudatória também ajudou a criar a ideia de que é uma ficção em que o sujeito é Trás-os-Montes. Estou convencido que deve haver mais leitores que compram o seu livro por se chamar "Trás-os-Montes",romance histórico, sem deixar de ser literário, como acontece com o "Memorial do Convento".
Como deve calcular, para escrever sobre o seu livro, pesquisei imenso,incluindo sobre si. Conhecer a sua biografia, maneiras de ser, estar e sentir, ajudou-me a contextualizar a obra e no final, desejar que Trás-os-Montes apareça noutras obras suas,mercê do seu projeto de voltar à refião e lá construir uma "residência para artistas de todo o mundo".
A profundidade da crítica, apesar de incompleta, contribuiu para me aproximar de si, por incrível que pareça!
Votos de sucesso, como escritor.
ap