Morning Fog in Tua River
Sem nada urgente para fazer em Travancas, decidi ir ao Ferrado, no Domingo, dia 23 de Novembro. Tencionava deixar o carro na Longra, descer o Tua até à foz de Cabrões, subi-lo até ao Ferrado e regressar!
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Na véspera, fui dormir a Vilas Boas. Pela manhã, visto da varanda da dona Bina, o monte frente ao Cabeço, banhado de sol, prenunciava mais um dia de Verão de São Martinho.
Ao descer a estrada para Vilarinho das Azenhas, comecei a avistar cabeços navegando no mar de nevoeiro do vale do Tua.
Deslumbrado com a paisagem ...
... Paro a cada curva, para fotografar a vastidão de montes de Trás-os-Montes que vão surgindo diante de mim.
De surpresa em surpresa, detive-me, extasiado, à entrada de Vilarinho, a contemplar a vinha, coberta pela névoa.
Estava entretido a fotografar a paisagem, quando, vindos das brumas, se aproximaram de mim dois caçadores, acompanhados por quatro cães. À cintura não traziam qualquer perdiz ou coelho, como troféu de caça e sinal de boa pontaria.
A vinha, com as parras ainda presas às vides, estava submersa no nevoeiro matinal. Neste cenário de encantamento, fascinava-me a exuberância de cores, abarcando diversas tonalidades de amarelo, castanho e vermelho.
Finalmente, cheguei ao rio Tua! O cenário, uma ode ao Criador, de tão belo, parece um quadro surrealista, humanizado pela presença do homem.
O rio brumoso e as folhas mortas, propícios ao recolhimento, eram palco da grande azáfama de mais de uma dezena de pescadores.
Atravessei a ponte de Vilarinho das Azenhas, uma ponte romântica, de onde os pescadores lançavam iscos aos peixes. Envoltos na neblina, mal se lhes diistinguiam os vultos.
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A visão do rio, emergindo das brumas, evoca em mim, por uma desconhecida associação de ideias, a marcha nupcial da ópera de Wagner. No enrêdo, Lohengrin, o misterioso cavaleiro do Santo Graal, chega, num barco puxado por um cisne, ao julgamento da sua futura esposa, na enevoada Brabante.
Ao passar pelas amendoeiras, despojadas de folhas, flores e frutos, como seres arqueados, a bailar na manhã cinzenta, e ver o pombal a desaparecer na neblina, no cimo do campo semeado, senti-me criança, no umbral de um mundo encantado de gnomos, duendes e de outras forças da Natureza.
Em Barcel e na vizinha Longra, aldeias rodeadas de olivais, já o nevoeiro se dissipava no alto dos montes. As centenárias oliveiras trazem-me à memória uma história da avó paterna, ouvida à tia Emília. Segundo ela, a avó, uma rapariga vistosa, foi enganada, quando veio a Barcel, à apanha da azeitona ...
Em tempos, passei por Barcel, sem me aperceber da beleza paisagística e edificada da aldeia. Agora, chocou-me o desleixo a que é votado o património religioso. Que valores transmitem a capela em ruínas e o depósito de ferro-velho?
O mesmo desleixo se nota na capela da Longra, onde o bonito retábulo do altar barroco, provavelmente do século XVIII, tem a madeira apodrecida. Bem pode Santo António levantar as mãos ao Céu, que não há Ministério da Koltura que lhe valha tamanha incúria!
Agradou-me a parede pintada de azul, nesta casa tradicional de xisto, à entrada da Longra. Restaurada, ficaria bem bonita! Contudo, infelizmente, a recuperação de arabecos, sem apoio das câmaras municipais, sensibilizadas para a preservação do património, não está ao alcance de todas as bolsas.
Na Longra, calcei as botas velhas da tropa e desci até ao rio. Nessa altura, a bruma matinal já tinha levantado e evaporado. Ancoradas à margem, lá continuavam, poéticas, as velhas balsas.
Neste Éden de tranquilidade, vestido com as cores do Outono, uma sensação de bem-estar entranha-se em nós. E em comunhão com a natureza, deixamo-nos ficar, deambulando por ali .
Na outra margem, na Ribeirinha, avista-se uma azenha abandonada, marco da indústria de moagem local, vencida pela modernidade. Em Agosto, no dia 22, estive lá a fotografá-la. minutos antes de entrar no comboio que descarrilou na Brunheda.
Nesse acidente ferroviário, o quarto em ano e meio, morreu mais uma passageira. Não sofri danos físicos, mas a minha mulher ficou gravemente ferida. Continua em tratamento, sem se saber até quando. Campeia a impunidade … A revolta inicial vai cedendo ao desalento. Sinto-me morrer devagarinho ...
A Linha do Tua não reabriu e tem morte anunciada, se a barragem for construída. Vejo-a, e ao rio, cá do alto, um lugar ermo e de difícil acesso, onde, para grande espanto, fui encontrar uma piscina e uma pista de helicópteros.
Virei costas a Barcel e olhei em direcção a Cabrões. Tendo de estar em Chaves às 18h30, era escasso o tempo para ir ao Ferrado.
Decidi adiar a caminhada por Cabrões acima, trocada, na enevoada manhã de Outono, pelas fotos do vale do Tua ...
... E parti, do cu de Judas, à demanda de um caminho seguro, para Aquae Flaviae.