quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Batalha do Cambedo

XVI Encontro de Blogues e Fotógrafos Lumbudus
Viagem à memória de um povo raiano


Cambedo da Raia entrou na minha vida no XVI Encontro da blogosfera flaviense, realizado dia 4 de dezembro. Entrou e vai ficar porque a 'promiscuidade' deste pobo com os galegos me cativa. 




A aldeia não é Gernika nem teve nenhum Picasso a imortalizar o sofrimento dos paisanos, quando foi bombardeada por forças repressivas, na véspera do Natal de 1946. Na manhã de 20 de dezembro, há 65 anos, a população levantou-se, sobressaltada, com o aparato bélico e o latido dos cães.




No cerco a três fugitivos anti-franquistas, aí refugiados, participaram mil (mil?) efetivos: cinco agentes da PIDE, forças da GNR, da Guarda-Fiscal, da PSP e um pelotão do Batalhão de Caçadores nº 10, de Chaves, apoiadas do outro lado da fronteira, pela Guardia Civil espanhola.



Pátio onde o Juan e o Demétrio se esconderam

Na aldeia havia várias casas suspeitas de servirem de pernoita a fuxidos galegos: a da Escolástica, a do Adolfo, a do Mestre, a da Silvina e a da Engrácia. Foram todas cercadas. Uma versão, dada por Manuel Zapico Terente, guerrilheiro asturiano, e por Quico, Francisco Martinez Lopez, diz que o ataque a Cambedo se ficou a dever à denúncia de Remedios, mulher que trabalhava na lavaria de uma mina de volfrâmio e era conhecida do guerrilheiro Manuel Giron.




Desde o fim da guerra civil espanhola, em 1939, ganha pelos nacionalistas do general Francisco Franco, que anarquistas, comunistas e socialistas galegos permaneceram na raia - onde, para sobreviver, trabalhavam na agricultura, nas minas de volfrâmio ou no contrabando - ou daí procuravam partir para paragens mais longínquas, para escapar ao fuzilamento nas terras de origem.




Alguns fugitivos anti-fascistas, escondidos nas montanhas, tornaram-se guerrilheiros do maquis, fazendo incursões em territórrio espanhol e escolhendo alvos concretos para os seus ataques.

*Maquis é o lugar onde se reunem os resistentes  - maquisards - franceses à ocupação alemã durante a II Guerra Mundial. Em Espanha os maquis são os republicanos que, depois de perdida a guerra civil, combatem o franquismo nas montanhas das Astúrias e na Galiza.



A casa da Albertina, a mais danificada  pelo bombardeamento, nunca foi reconstruída. Permanece em ruínas, como testemunho vivo da repressão, para que não se apague da memória dos homens o cêrco à aldeia, há 65 anos.  



Foto picada de Cambedo-Maquis
Sitiados durante uma noite e dois dias, os habitantes, acima de 300, viveram momentos de angústia e terror, com a troca de tiros de pistolas-metrelhadoras, dezenas de disparos de morteiros, lançamento de granadas de mão, de gás lacrimogénio, de bombas incendiárias e palheiros ardidos.




Vitorino Aires, da PIDE, seguido por agentes da PSP e da GNR,  andou por este quinteiro a espetar espalhadouras na palha guardada no cabanal, à procura de guerrilheiros espanhóis  - Juan, Garcia, Demétrio e de outros que lá se poderiam ter escondido. 



Em Portugal, a GNR e a PIDE escamoteavam a natureza política dos republicanos fuxidos à repressão, aos ajustes de contas e às represálias dos franquistas, no pós guerra-civil. Os meios de comunicação social, visados pela censura, davam a imagem de que se tratava de um bando de malfeitores.




O destacamento  da GNR enviado para sitiar Cambedo, insuficiente para prender ou levar os perseguidos a renderem-se, foi reforçado por soldados do quartel de Chaves e por forças que tinham sido inicialmente destacadas para outras aldeias do concelho.




Da Batalha do Cambedo,  resultou a morte de dois guerrilheiros - Juan Salgado Rivera e Bernardino Garcia, que terá preferido suicidar-se a render-se;  a morte de dois guarda-republicanos, José Joaquim e José Teixeira Nunes; alguns feridos, incluindo uma menina; e foram presos oito galegos e 55 portugueses, dezoito dos quais de Cambedo. 



Foto de Demetrio ou ´Pedro´ em 1946,  picada de Cambedo-maquis
Demétrio Garcia Alvarez foi o único dos três guerrilheiros que não morreu no combate. Resistiu até se render, ao segundo dia, quando não tinha mais munições. Condenado a 28 anos de prisão, foi desterrado para o Tarrafal, em Cabo Verde, tal como José Pinheiro, conhecido por Pepe da Castanheira. Esteve lá encarcerado até 1965, tendo posteriormente ido viver para França, onde morreu.



Sr. Sebastião Salgado, cicerone das dezenas de participantes no XVI Encontro de bloguistas e fotógrafos Lumbudus.


Casa por onde Juan ou Facundo se escapou para o alto do monte, com intuito de se por a salvo, do  lado de lá da fronteira. Encurralado pela Guardia Civil, acabou por ser morto por um guarda-republicano, quando recuava. Juan tinha laços familiares em Cambedo, tal como Demétrio.




Placa comemorativa, em galego, do cinquentenário da Batalha do Cambedo, "En lembranza do voso sufrimento, 1946-1996". A placa, oferecida por intelectuais galegos de Ourense, resgata a memória da solidariedade raiana e a auto-estima dos habitantes de Cambedo, durante quase três décadas ostracizados por a PIDE os apodar de vermelhos e acoitantes de bandoleiros. Todavia, essa solidariedade, desprovida de intencionalidade ideológica, era para com  quem sofria, galegos fuxidos à repressão.


Arlindo Espírito Santo, filho de Silvino,cabo reformado da guarda-fiscal, acusado de pertencer a associação criminosa. O pai esteve preso 11 meses e ficou sem a pensão.

Após ter lido o que alguns autores escreveram sobre a Batalha do Cambedo, fico intrigado com referências a  uma suposta amnésia da população.  Fernando Ribeiro diz que há uma vontade expressa em não falar sobre o assunto e que a placa, comemorativa do cinquentenário  do combate, é vista como um elemento de perturbação adicional. 



Perturbação? Se assim for, é de presumir que o epílogo da história da "Batalha do Cambedo" apenas será escrito quando deixar de haver sobreviventes receosos de que o conhecimento de toda a verdade sobre cumplicidades e traições, na relação com os guerrilheiros, abra feridas que se pretendem esquecer.

Nota: As fotos das forças militarizadas  são da simulação de um controle fronteiriço em Vilarelho da Raia, feito por membros da Associação Cultural da aldeia. Ver:
http://ferradodecabroes.blogspot.com/2011/12/brigada-luso-espanhola-na-raia.html


Fontes consultadas:
http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/09/10/cambedo-da-raia-1946/
http://historiasdaraia.blogspot.com/2010/01/fronteiras-cambedo-da-raia.html
http://abaciente.blogspot.com/2010/12/20-de-dezembro-de-1946-escaramuca-em.html
http://cambedo-maquis.blogs.sapo.pt/2007/12/
 
http://franciscotrindade.blogspot.com/2007/01/batalha-do-cambedo1936-e-solidariedade.html



Povo Promíscuo?





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